terça-feira, 7 de agosto de 2012


 “Contactos imediatos de 1º grau por João Magalhães”

15 a 20 minutos não é tempo nenhum. Não é tempo nenhum para conhecer, explorar e criar intimidade com o que quer que seja, ou com quem quer que seja.
Com as motas não é diferente, pelo menos comigo não é diferente. 20 minutos chega-me para coisa nenhuma.  Chega para simplesmente ter uma ideia vaga e dispersa das reais capacidades das mesmas e acima de tudo, dão-nos um pequeno vislumbre do que pode vir a ser a nossa relação com elas. Também pouco acredito em testes e comparativos, pois nada mais são que o reflexo das preferências pessoais de cada um dos participantes e muitas vezes, reflexo de modas e poderes instituídos via marketing.
 Acredito que a compra de uma mota é um acontecimento que como muitos outros pode correr bem ou mal e que muito do prazer de andar de mota vem da intimidade com ela, logo da capacidade reciproca para tanto o Homem como a mota se suportarem.
Por isso 20 minutos de test-drive nada são, mas é aquilo que normalmente reservam quando queremos experimentar motas. Infelizmente nenhum stand/ marca nos dá as chaves de uma mota por uma semana, mas deveriam, talvez vendessem mais…ou talvez os mitos caíssem por terra e vendessem ainda menos, quem sabe…
A saber a meu respeito para estes pequenos contactos: tenho 1,76m de altura e 75kg de massa corporal.
Motas conduzidas: BMW F650GS, BMWR1200GS, Honda NC700X e Honda VFR XTourer 1200. Foi por esta ordem que andei nelas por isso é por esta ordem que falo delas, sem comparativos, apenas relatando as minhas impressões pessoais de forma isolada, em cada um dos casos. Não vou falar de equipamentos mas somente das impressões de condução e manuseamento das motas.
Os contactos foram feitos em cidade e estrada aberta, sempre em pisos asfaltados e sempre com os setings de origem e sem a mínima preocupação com consumos, equipamentos e mais sobrancerias.
Básicamente, peguei nas motas, andei nelas não mexendo em mais botões que o do arranque, piscas e buzina.
Todas as impressões escritas são pessoais e portanto subjectivas, por isso qualquer refutar das mesmas será ignorado.
*Escrevo “mal e porcamente” não respeitando minimamente o novo acordo ortográfico porque me faz prurido nos olhos.



BMW F 650 GS
Menos: Banco junto ao depósito, design dos instrumentos, comandos, protecção aerodinâmica nula, escape muito ruidoso, preço.
Mais: Motor linear e presente em todos os regimes, bom acerto das suspensões para estrada, maneabilidade, Metzeler EXP.
A 800, perdão, 650 bicilíndrica da BMW é uma mota interessante. Não é que seja bonita aos meus olhos pois não o é, mas é interessante de conduzir. O motor é linear e estira bem em médias altas, mas nota-se que tem mais para dar do que aquilo que consegue nesta versão.
Não bate em baixas mas não é todo suavidade. A caixa de velocidades é precisa e a embraiagem progressiva, permitindo passagens de caixa rápidas, sobe bem sem embraiagem, no entanto poderia ser mais suave na entrada das mudanças, tanto para baixo como para cima.
Os travões cumprem sem comprometer, são suaves e o dianteiro tende a perder eficácia após algumas travagens mais a sério.
As suspensões parecem-me o melhor desta mota. Bem taradas para estrada, não afundam em demasia em travagem e permitem mudanças de direcção rápidas e limpas. Conduz-se em cima do depósito e em locais mais apertados e com bom alcatrão inclina-se com confiança e torna-se muito divertida e segura.
A posição de condução é boa (para o meu gosto), mas a união do banco com o depósito é muito má. As laterais do banco nessa zona são demasiado duras, afiadas e horizontais. A protecção aerodinâmica, para quem a valoriza, é má, muito embora a mota testada já dispusesse de um vidro maior.
Os instrumentos, se bem que completos, são pouco legíveis e tem um ar demasiado básico, parecem tirados de uma qualquer scooter dos anos 90. O escape montado era um Akrapovik  ruidoso e muito fora da mota.
Em sumula, viva de reacções, controlável, seria uma boa candidata a mota para todo o uso, desde que alterado o banco.

BMW R1200 GS Rallye
Menos:  Volume, peso,  motor em altas, design dos instrumentos, comandos, decoração espalhafatosa, guiador largo, maneabilidade em parado, preço.
Mais: Disponibilidade do motor, binário, suspensão dianteira e distribuição do peso (conceito) comportamento em curva, Metzeler EXP.
A GS maior nunca me causou grande frenesim emocional. Nunca fui muito fã do seu visual e volume e especialmente não me deixo seduzir por chavões.
Por isso encarei o contacto com esta mota com a mesma  frontalidade, espirito crítico e abertura de espirito que todas as motas que conduzi até hoje na minha vida, especialmente esta que provavelmente nunca vou possuir devido ao seu elevado preço.
A decoração da mota testada seria desde logo colocada de parte por mim. Com as cores dos 30 anos, achei-a demasiado espalhafatosa e pomposa.
A mota em si mete algum respeito. Parada é alta, volumosa como poucas e pesada. Tem um guiador largo demais para uma pessoa da minha estatura e o facto de não se poder meter o pé para dentro da curva em alguma emergência devido aos cilindros é algo que me deixou apreensivo. No entanto em caso de queda antes os cilindros que os pés esmagados.  
Para uma mota deste preço acho os instrumentos muito básicos. Legíveis, completos mas básicos no formato e apresentação. Os comandos podiam ser mais intuitivos, neste departamento  agradece-se a funcionalidade e standardização em detrimento da diferenciação.
Uma vez em movimento a corpulenta GS transforma-se numa moto intuitiva e menos dificil de levar que em parado. O volume mantêm-se por lá e o peso também, mas a geometria e as suspensões mascaram estes handicaps, tornando-a fácil de levar. Uma vez parada o peso e o volume aparecem de novo para nos fazer suar e limitar os movimentos.
A suspensão traseira e a transmissão tem um comportamento homogéneo, não interferindo na condução. No entanto a caixa é ríspida e lenta, mas precisa. Não gostou muito de ser accionada sem embraiagem e o veio também não colaborou muito. No entanto a suspensão lê bem o terreno e transmite muito bem o binário do motor, de entrega plana e pouco entusiasmante.
O que é certo é que mais à custa do binário do que de potência e subida de rotação, a mota desenvolve calmamente até aos 200km/h sem barreiras e esforço. Isto faz com que a mota tenha boas prestações mas que elas apareçam sem sobressaltos ou violência.
A suspensão dianteira é o ponto que mais me agrada na mota. Permite inclinar muito e de forma muito estável, permitindo travagens e correções de trajetória de forma muito segura e fácil. Não muda de geometria na travagem e isso é uma grande vantagem quando se anda rápido e se muda de direção rapidamente.
O peso, apesar de não ser pouco, parece bem distribuído, fazendo com que o curvar seja fácil e intuitivo. A GS é de facto uma excelente curvadora. A travagem é suficiente em termos de potência e bastante doseável.
Em suma, a GS é uma mota confortável, estável a altas velocidades e que curva bastante bem. A proteção aerodinâmica é mediana. A estética e algumas opções ergonómicas e de equipamento são discutíveis. O motor é muito fácil de aproveitar, tem uma entrega suave e previsível, mas não entusiasma.
 Provavelmente é a soma de todos estes fatores que a tornam uma mota tão apetecível, a realidade é que a GS é uma mota acessível e fácil no trato.
Sem grande nervo ou alma, com muito volume, excessivo aparato e imagem de marca, mas com uma serena competência.


Honda NC700X
Menos: Potência, ergonomia, protecção aerodinâmica, travagem dianteira, acabamentos.
Mais: Maneabilidade, facilidade, comportamento em curva, disponibilidade do motor, posição de condução, caixa de velocidades, preço.
A NC700X era uma das motas que mais curiosidade me suscitou nos últimos tempos, curiosidade pelo conceito ousado, ousado não pelo radicalismo, mas pela assunção da racionalidade extrema na elaboração de uma mota.
A mota é compacta e em termos ergonómicos adequada para a minha estatura. Pouco volumosa e de peso contido é fácil de manobrar em parado. A instrumentação é completa, mas demasiado compacta e difícil de ler. Os comandos são como todos os comandos da Honda, suaves e leves no acionamento, mas a buzina encontra-se no local dos convencionais interruptores de mudança de direção, pelo que passei mais tempo a buzinar que a assinalar as minhas mudanças de direcção. Mais uma vez neste departamento pede-se standardização e não invenção.
Para uma mota deste preço os acabamentos são o possível, a pintura de alguns componentes (guiador, mesas de direcção e quadro) não parece muito sólida, mas a mota é bem montada, atendendo ao seu preço final.
A sensação que temos mal nos sentamos aos comandos desta mota é a da leveza e a do baixo volume.
O motor é suave no funcionamento e na entrega, mas faz progredir a mota com facilidade pois o binário é interessante. Não enche os pulmões em altas, morre bastante cedo, mas isso não me parece um óbice, parece-me uma virtude à qual é difícil a habituação. Muitos podem tomar a mesma como falta de raça, eu vejo-a mais como uma virtude encapotada.
O motor “curto” tem desvantagens para quem é mais fogoso na condução, mas permite vantagens que me assistem pessoalmente e que a ciclística deixa aproveitar. A mota é muito intuitiva e bem dimensionada de ciclística. Pode não ter grandes suspensões mas o conjunto, rodas/quadro tem um grande equilíbrio e permite curvar de forma muito fácil e segura. Entra, permanece e sai da curva de forma muito controlada e previsível, e quanto mais revirada a estrada melhor, pois muda muito facilmente de direcção. Em recta é tão estável como qualquer moto moderna.
Para isto contribuem a ciclística, mas também os travões e o motor. Como todos os componentes são muito dóceis  (por exemplo, a travagem é apenas suficiente e cansa-se com facilidade), mas intuitivos e facílimos de explorar, esta mota torna-se num delicioso brinquedo para levar para uma revirada estrada de montanha, onde se pode aproveitar ao máximo a sua facilidade e docilidade para apenas com recurso ao acelerador , maximizar a velocidade de passagem em curva, sem grandes alaridos os rotações excessivas, mas com muita eficácia.
Melhorar esta mota é fácil e acessível, umas pastilhas de travão com mais poder de mordente e uns pneus com melhor aderência.
Esta mota não me pareceu sensaborona, apenas precisa de ser conduzida de forma diferente. Maximizar a velocidade de passagem em curva, recorrer menos à suave e precisa caixa (que admite ser facilmente subida sem embraiagem) e fazer uma condução mais fluída ao invés de a esticar parecem-me ser premissas essenciais para obter dela uma grande satisfação na condução.
Dentro da sua simplicidade intrínseca, pareceu-me uma excelente mota. Muito fácil de explorar, fácil de levar e também aparentemente económica segundo os relatos. Tem forçosamente de ser encarada como algo novo e conduzida como tal. A satisfação de condução está lá, é necessário ter a abertura de espirito suficiente para lá chegar.




Honda VFR XTourer 1200
Menos: Volume, peso, inércia, geometria (longa), transmissão, cardã ruidoso e cx imprecisa e dura, posição de condução, suspensão dianteira ligeiramente dura e pouco progressiva, comportamento em curva, proteção aerodinâmica, posição de condução, preço.
Mais: Motor em todos os parâmetros, Travagem, estabilidade em linha recta, conforto, suavidade dos comandos.
O segundo contacto físico com esta mota acentuou a impressão que tive dela no primeiro contacto. Na Batalha pareceu-me, alta, volumosa e pesada, adjectivos que normalmente não procuro numa mota. Neste contacto todas as minhas suspeitas se confirmaram. A altura está lá, o volume aparece em grandes doses ao nível da zona onde as pernas encaixam nas traves do quadro da mota e o peso e a inércia, para além de impressos na ficha técnica, não deixam de se sentir ao ser manobrada, tanto em parado como em movimento.
A base é longa e as suspensões tem uma taragem asfáltica a pender para o duro e saltitante, principalmente a dianteira, que não consegue esconder alguma falta de progressividade que se revela em pisos de empedrado ou pequenas lombas.
 A travagem é muito poderosa e doseável, livre de qualquer critica. 
O motor é o trunfo desta mota. Muito poderoso, aliás, poderoso demais para uma mota deste género tal o grau de amordaçamento que parece ter sido alvo, sobe de rotação e entrega potência de uma forma constante e massiva, mudando de caracter a meio da sua corrida quando ameaça desfazer os BW com tanta energia. Excelente motor, mas que julgo exagerado para este conceito de mota. 
A transmissão não consegue os mesmos elogios do motor. De toda a mota foi o que mais me desagradou. A mota que conduzi estava equipada com caixa de velocidades convencional, que se revelou dura e algo imprecisa e que não era ajudada de maneira nenhuma pelo veio de transmissão com uma aspereza difícil de qualificar. Em estrada aberta não se nota tanto, mas quando tive de recorrer à caixa, o veio com as suas pancadas constantes tornava a condução num martírio, principalmente em cidade. Cansa a situação constante de a cada pequena rotação do acelerador corresponder um solavanco no veio e na mota, tornando a progressão tudo menos progressiva e relaxada.
Em estrada aberta a mota destaca-se por uma grande estabilidade em recta e pelo motor muito poderoso. Facilmente se passa dos 200 mas também se facilmente se sente a falta de protecção aerodinâmica da carenagem de origem.  Em curvas largas e abertas a estabilidade é enorme e o conforto de marcha indiscutível.
Tudo funciona bem enquanto a utilização é feita de acordo com os parâmetros mais turísticos, mas quando se tenta algo mais as coisas tomam outro rumo. Em estradas mais reviradas, ou em manobras mais incisivas esta mota nunca conseguiu esconder ou disfarçar o seu peso e o seu volume.
A descrever curvas a mais baixa velocidade, mais fechadas e em angulo é algo difícil de manobrar, não é muito intuitiva. A sua dimensão, o seu peso e a sua grande potência tornam-na delicada de colocar em curva e de sair dela, apesar de na trajéctoria ser estável.
Não permite grandes correcções, não gosta de improvisos e tem-se a sensação que ela é que determina por onde e como se vai. A suspensão traseira faz bem o seu papel, mas a dianteira com o seu nervosismo e falta de progressividade parece ainda agudizar mais este problema. Não penso ser apenas um problema de peso, mas também de geometria.
Em jeito de conclusão, esta mota é uma grande alternativa turística, mas tem alguns problemas de maneio que exigem algum esforço e experiência por parte de quem a poderá vir a conduzir para lhe retirar algum sumo.
Felizmente uma mota ainda é muito mais que motor, velocidade em recta e equipamento, nisso esta VFR não desilude, mas revelou-se pouco maneável, pesada, bastante laboriosa e pouco intuitiva na altura de atacar troços mais sinuosos.